Veículo:
Portal Deutsche Welle
Data:
16/04/2013
Estado: SP
Dados não
oficiais estimam que cadeias têm 40 mortes anualmente por violência das forças
de segurança. Para especialistas, 20 anos após massacre de 111 detentos,
sistema carcerário piorou e continua barril de pólvora.
A superlotação
do presídio do Carandiru foi apontada como uma das causas do massacre ocorrido
em 1992 – em que 111 detentos foram mortos pela Polícia Militar durante uma
rebelião. Mais de 20 anos depois, os crimes enfim começaram a ser julgados, mas
o sistema penitenciário brasileiro segue sucateado e, segundo especialistas,
continua um barril de pólvora.
Celas
superlotadas, quadro de funcionários insuficiente, falta de condições de
higiene e de atendimento médico, abuso por parte de agentes penitenciários,
além de violência por parte de militares dentro dos presídios. A lista de
problemas é extensa e, pelo menos a médio prazo, parece não ter solução.
"Em
1992, quando houve o massacre, as condições de encarceramento não eram tão
ruins como nos dias de hoje. Na última década, o Brasil quadruplicou sua
população carcerária e temos, atualmente, cerca de 500 mil pessoas presas, das
quais cerca de 200 mil no Estado de São Paulo", explica Bruno Shimizu, o
defensor público e coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária
da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Para Shimizu,
desde aquela época houve mudanças mais cosméticas nas prisões, tais como a
criação de um grupo de elite militarizado em São Paulo chamado de Grupo de
Intervenções Rápidas (GIR) – que substituiu a Polícia Militar nas incursões
dentro de prisões paulistas, mas que, segundo ele, também pratica abusos contra
os presos.
"Em números
não oficiais, cerca de 120 pessoas morrem dentro de penitenciárias brasileiras
a cada três anos, de 1992 até hoje, vítimas de violência [das forças de
segurança]. Isso significa que temos um massacre do Carandiru a cada três anos
no Brasil. Se formos incluir outras causas de mortes, como a falta de
atendimento à saúde, esse número é estratosférico", acrescenta.
Juízes
contribuiriam para superlotação
Especialistas
ouvidos pela DW dizem que a legislação brasileira não é o grande problema, mas
o sistema judiciário. Por questões culturais, afirmam, os juízes brasileiros
não contribuem para a melhoria da situação nas penitenciárias do país ao tentar
adotar penas alternativas – e usam o encarceramento como única solução.
Shimizu diz
que o foco do problema do encarceramento em massa é o poder judiciário –
composto, segundo ele, principalmente por pessoas da classe média que trazem
uma ideologia específica que vai ser reproduzida nas decisões judiciais.
Muitos, afirma, acabam analisando os casos não segundo a Constituição, mas por
sua própria moralidade.
"Há também
a incapacidade do Estado e das famílias de impedirem que os jovens sejam
cooptados pelo crime, principalmente por conta do narcotráfico. O sistema
educacional é falido e não consegue atrair a juventude. Sem mudanças
estruturais, há a tendência do crescimento da violência e do número de
presos", frisa Antonio Flávio Testa, especialista em segurança da
Universidade de Brasília (UnB).
Atila Roque,
diretor executivo da Anistia Internacional Brasil, diz que a população
carcerária brasileira está entre as maiores do mundo e que cerca de 40% das
pessoas estão em prisão temporária, sem ainda nem terem sido julgadas. Dessa
forma, muitas ficam presas por mais tempo do que se fossem condenadas pelo
crime cometido.
"Claramente
o Brasil não tem uma política inteligente de penalização de delitos que não
mereceriam prisão e que poderiam ser tratados de outra maneira. Parece que o
Estado brasileiro responde a uma situação de expectativa da sociedade de
combate ao crime com uma estratégia de encarceramento", explicou Roque.
O especialista
da Anistia Internacional Brasil afirma que o Estado precisa agir em três
níveis: rever o sistema de penalização, para não colocar todos na prisão; rever
as condições de vida dentro do sistema carcerário; e, também, criar um sistema
que favoreça a reabilitação dos presidiários.
"As
condições terríveis só produzem ódio e horror nos presos, por causa das
condições indignas. E é terrível que isso seja feito em nome da
sociedade", acrescenta Roque.
Facções
criminosas
A situação
prisional brasileira e a violência policial – alvos constantes de críticas por
parte da ONU – favoreceram a criação da facção criminosa Primeiro Comando da
Capital (PCC), em São Paulo, em meados de 1993 – portanto, menos de um ano
depois do massacre do Carandiru.
Camila Nunes
Dias, professora de políticas publicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) e
pesquisadora associada do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São
Paulo (NEV/USP), diz que a violência policial e prisional são elementos
ideológicos para justificar a criação do grupo. "O Estado age como inimigo
de parte da população e pobres veem a polícia como ameaça e repressão e não
como garantidor de segurança."
Mas o PCC tem
uma atuação mais simbiótica do que de contraposição ao sistema prisional
brasileiro – o número de rebeliões caiu, o crack não entra mais em presídios
dominados pela organização e o estupro de novatos, muito comum antes da
hegemonia da facção, não ocorre com tanta frequência como no passado.
"Isso
significa que, por conta do PCC, a população prisional, mesmo em condições
piores do que em 1992, ficou mais calma. Isso porque o detento deve obediência
absoluta a essa facção e faz com que ninguém tome uma atitude na cadeia, como
matar algum desafeto, sem autorização de uma liderança interna do PCC",
destaca Shimizu.
Porém, há o
outro lado da moeda. Ao mesmo tempo, surge aí a dificuldade de se reintegrar o
preso à sociedade, pois o PCC faz com que ele seja mais estigmatizado. Segundo
Shimizu, o cárcere cria problemas de identidade em relação ao preso e, pelo
fato de ele ser coagido para entrar nessa facção criminosa, a deteriorização de
sua identidade é aprofundada. "Mas é assim que o sistema ainda se
segura."